Por trás de uma companhia de sucesso
Em um dado momento, entre um petisco e outro, risadas e reclames, uma ideia vira assunto na mesa. Selada com um brinde, para não trair a tradição, não demora muito e ela se transforma em projeto. Foi assim mesmo, na simplicidade de uma mesa de bar, de maneira um tanto despretensiosa, que os amigos Edgard Bueno da Costa, Ricardo Garrido e Sergio Bueno de Camargo começaram a olhar esse ambiente de outra perspectiva: a de empreendedores.
Funcionários de uma multinacional e insatisfeitos com suas carreiras, esses apaixonados por bares e restaurantes viram “no outro lado do balcão” uma possibilidade de aliar trabalho e prazer. Com a ajuda de outros dois amigos, Fernando Grinberg e Mario Gorski (posteriormente, em 1998, André Lima entrou para a sociedade) essa turma de administradores, economista, engenheiro químico e publicitário arregaçou as mangas e partiu para a ação. “Nossa proposta era criar um negócio que tivesse significado para as pessoas ao nosso redor, uma atividade que nos proporcionasse sustento aliado a prazer”, explica Ricardo Garrido.
Hoje, 17 anos depois, aquela ideia tem nome e endereço: Companhia Tradicional de Comércio, empresa responsável pelas marcas Original, Pirajá, Bráz, Astor, Lanchonete da Cidade, Quintal do Bráz, SubAstor, Bottagallo e Venga!. Juntas, elas resultam em 22 estabelecimentos, distribuídos entre São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro, e empregam 900 pessoas.
Tudo começou com o Original. Inaugurado na capital paulista, em 1996, o sucesso do bar junto ao público foi tanto – a casa é inspirada na simplicidade e informalidade dos botequins antigos – que a expansão foi inevitável. Nessa hora, os sócios optaram por diversificar o portfólio entre bares, restaurantes, lanchonetes e pizzarias. Em comum, eles têm a particularidade de serem estabelecimentos “atuais, com gostinho de antigamente”, como os proprietários definem. Fora os padrões de qualidade e excelência no atendimento, atributos que nunca saem do alvo. “Quando se tem foco, ampliam-se as chances de fazer bem aquilo a que se propõe. É assim que conseguimos empacotar as nossas ideias e oferecê-las aos clientes de forma coerente”, explica Garrido.
Mas não se iluda. Tocar um negócio com tamanhas proporções e garantir que ele cumpra sua missão, de proporcionar a melhor experiência em entretenimento gastronômico casual para os clientes – uma média de 250 mil por ano – dá, sim, muito trabalho. Mesmo tarde da noite, durante uma semana atribulada, Garrido arrumou fôlego para conversar por telefone com a Bares & Restaurantes. Meia hora foi pouco para narrar quase duas décadas de história, mas suficiente para que palavras-chaves como desafio, eficiência, satisfação e qualidade fossem tratadas.
B&R - Quais os principais desafios que vocês enfrentaram nos primeiros anos da Cia?
Ricardo Garrido - Os mesmos de hoje. Sem dúvida alguma, a formação e organização de equipes com alto padrão de desempenho é um deles; profissionalizar e qualificar a mão de obra. Um segundo desafio para todos que estão nesse ramo é administrar o abastecimento, a manutenção da qualidade e a administração de preços em uma cadeia que considero bastante oligopolizada. Alguns insumos são adquiridos de empresas monopolistas, colocando os bares e restaurantes na ponta mais frágil. A consequência disso é que, muitas vezes, os preços vão de acordo com a vontade do fornecedor. Há também um terceiro aspecto que é conseguir manter as casas e as marcas atualizadas. Temos lojas completando 17,18 anos. É difícil estar sempre atualizado aos olhos do consumidor, manter a consistência dos projetos. Mantê-los perenes e com sucesso é um dos desafios da nossa empresa. Até agora, estamos indo bem.
B&R - Todas as casas da Cia Tradicional de Comércio são declaradamente inspiradas nos bares clássicos. De onde veio essa ideia?
Ricardo Garrido - Todas nasceram de ideias e conceitos fundamentalmente ligados à memória afetiva que nós, sócios, colocamos “na mesa”, principalmente as cinco primeiras marcas. A lembrança de um lugar, uma comida, um sentimento. Coisas que na nossa cabeça estão ligadas ao passado. Foi algo natural e nada muito elaborado, planejado. Era uma lembrança que ia puxando outra e outra e outra. Enfim, o que tentamos fazer em todos os projetos foi juntar essa memória afetiva e essas referências de passado com ideias e possibilidades do presente. Nossa “brincadeira” sempre foi essa: juntar o passado e o presente; atualizar um pouco o passado com as possibilidades do presente.
B&R - Vocês têm entre os princípios da Cia “só inaugurar casas que nos dão prazer em frequentar e orgulho em trabalhar”. Qual o grande diferencial dos estabelecimentos que compõem a Cia Tradicional de Comércio?
Ricardo Garrido - As nossas ideias e as marcas resultantes delas sempre partiram de uma vontade de fazer ou recriar algo que em algum momento vivenciamos. Nossa motivação nunca foi criar algo que está na moda, que é tendência. Parte do íntimo, colocar para fora e criar um lugar que nós mesmos gostaríamos de frequentar, que tivéssemos orgulho e vontade de trabalhar por ele. Esse é um princípio que a gente carrega: o de ser fiel à proposta de fazer coisas nas quais acreditamos e que vão agregar algo, gerar significado. Não só bons negócios.
B&R - Isso justifica a mudança de profissão que cada um fez.
Ricardo Garrido - Justamente. Mudamos nosso estilo de vida por isso, o que já vai além do ponto de vista econômico. É claro que também nos preocupamos com o lado econômico, pois queremos que negócio dê certo. Até porque, do contrário, não teríamos como viabilizar a proposta de alcançar as pessoas e gerar bons momentos. Os projetos têm que dar certo, se sustentar e valer a pena.
B&R - Quais são as principais frentes de investimento da Cia? Em treinamento de pessoal, tecnologia, marketing?
Ricardo Garrido - Nossos maiores esforços em termos de trabalho e de grana são em engajamento e treinamento de pessoas e em manutenção da qualidade das experiências que proporcionamos aos clientes, para que elas sejam sempre melhores do que no dia anterior. Para isso, investimos muito na melhoria contínua das casas, não por meio de mudanças e reformas bruscas, mas de pequenos detalhes diários.
B&R - Vocês definem o segmento em que atuam como de “entretenimento gastronômico casual”. Pode explicar esse conceito?
Ricardo Garrido - É algo que também parte da nossa visão de que bares e restaurantes não vendem apenas comida e bebida. Esse é apenas o centro de uma experiência mais ampla, de entretenimento. As pessoas vão a estabelecimentos dessa natureza para se alimentar, mas também para ser felizes, por algumas horas que seja. Por isso, consideramos que nosso ramo não é só de gastronomia, mas de entretenimento gastronômico. E escolhemos trabalhar no segmento casual: não é alta gastronomia, mas também não é comida popular ou só de conveniência. Estamos no meio termo, em que as coisas são mais casuais, simples. O que não quer dizer que não precisam de excelência.
B&R - Proporcionar uma experiência prazerosa aos frequentadores de forma plena deve ser uma premissa de todos os colaboradores do estabelecimento. De que maneira vocês preparam e estimulam os empregados?
Ricardo Garrido - Isso valeria uma segunda entrevista [risos]. O que posso sintetizar é que realmente investimos pesado nisso. Acredito que essa é uma das nossas especialidades. Nosso programa de recursos humanos é voltado para a criação de um sentido profissional, uma possibilidade de carreira. Desde a estruturação do nosso departamento de recrutamento e seleção às políticas de cargos e salários, promoção, gestão de carreira, benefícios e treinamentos, tudo é concatenado para que as pessoas nos tenham como uma opção de carreira e não como um trabalho temporário. É assim que procuramos comprometer e engajara maior parte dos empregados. Gosto do trabalho que fazemos com relação à formação de equipe e retenção de bons profissionais.
B&R - Qual a sensação que você tem ao constatar que conseguiu, junto dos seus sócios, concretizar a “empresa dos sonhos”, um local arquitetado não só para aliar trabalho e satisfação, mas para levar essa mesma satisfação às pessoas?
Ricardo Garrido - É uma mistura de orgulho e gratidão. Trabalhamos bastante. Tivemos algumas boas ideias e fomos fiéis a elas. Mas também recebemos muita ajuda, tivemos momentos de sorte, contamos com uma série de parcerias, conseguimos construir uma sociedade bonita e harmoniosa. Sou muito agradecido por participar desse projeto e ter chegado até aqui.
B&R – O ano de 2013 foi difícil para o setor de bares e restaurantes. Basta observar aspectos, como a alta dos insumos e dos alugueis, a questão tributária, a própria Lei Seca e a falta de segurança pública. De que maneira esse cenário vem afetando a Cia? Qual dos problemas considera o mais grave?
Ricardo Garrido - Considero essa crise, que começou em 2012 e culminou em 2013, resultado do encontro de dois fatores antagônicos. O primeiro é que o país passou a crescer menos e, consequentemente, a renda das pessoas também diminuiu. Por outro lado, o endividamento aumentou. Muitos clientes nossos, por exemplo, mudaram seus padrões de vida, consumindo mais e novos produtos. E, de repente, se deram conta de que dispunham de uma renda inferior à de anos atrás. Nessa hora, é comum que se faça uma revisão dos hábitos de consumo. Como bares e restaurantes são considerados supérfluos, são serviços questionados no momento de menor renda disponível – apesar de eu os considerar fundamentais [risos]. Mas, obviamente que são supérfluos se comparados à escola, alimentação de primeira necessidade, saúde.
B&R - Por outro lado, os estabelecimentos têm seus custos ampliados.
Ricardo Garrido - Sim. Acho que os piores problemas que enfrentamos neste ano são de ordem macroeconômica. Coincidiu de todos os custos que influenciam o preço final dos bares e restaurantes terem atingido um nível muito alto – a carga tributária, os preços de locação de imóveis, as taxas de serviço como água e luz, o preço dos insumos, que já estava alto e, mesmo com a economia estagnada, não recuou, pelo contrário, em muitos casos, aumentou. Ou seja, é um momento em que as pessoas estão com menos grana para gastar e os preços dos bares e restaurantes estão altos.
B&R - Como estão enfrentando essa fase?
Ricardo Garrido - Esse momento de retração não deixa de ser importante para o setor refletir, procurar se reinventar. Acho que a palavra mais importante daqui pra frente é eficiência. O setor tem que aprender a trabalhar com uma demanda menor e buscar a eficiência em todas as operações. Temos nos empenhado muito nesse sentido, em aprimorar nosso conceito de eficiência em todos os sentidos: desde a compra de insumos, negociação, revisão de alguns serviços internos que podem ser eliminados, melhor organização de equipe.
B&R - Mesmo diante dessa situação desfavorável, vocês têm planos de expansão?
Ricardo Garrido - Sem dúvida! Ainda que o período de euforia do Brasil tenha se arrefecido, não é o caso de uma retração muito grande, uma quebradeira. Houve, sim, uma diminuição do ritmo de crescimento que a gente vinha assistindo e que refletiu em todo o setor. Mas o ramo continua apresentando muitas e boas oportunidades. A gente acredita nisso e é muito otimista com relação aos próximos anos. Inclusive, estamos nos preparando para voltar a crescer em um ritmo até maior do que o dos últimos dois anos.
Fonte: Revista Bares & Restaurantes nº94 - entrevista na íntegra disponível na revista*