Para que o país se torne uma nação com estabilidade democrática e desenvolvimento sustentável, é urgente que promova à formalidade o grande universo dos negócios hoje informais.
A maior parte deles situa-se na base da pirâmide socioeconômica nacional. Isso significa que então se terá encontrado o caminho para que a parcela largamente majoritária da sociedade brasileira ascenda aos estratos médios e altos da classe média, saindo da situação de baixíssima renda e miséria. É o que diz Matheus Mason Adorno, presidente da Abrasel na Região Metropolitana de Campinas.
Para tanto, prossegue o presidente da Abrasel em Campinas, a formalização empreendedora tem de se somar à formalização urbana, uma vez que ambas se complementam. De um lado, enxugar e descomplicar as regras, normas e leis que vêm dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. E do outro, desengessar os planos diretores, para que as cidades deixem de estar hierarquizadas em usos exclusivos (como as segregações residenciais ou industriais), passando a mesclar nas mesmas vizinhanças a moradia, o comércio e os serviços.
Eis os tópicos abordados por Matheus Adorno em entrevista à B&R:
Com a formalização empreendedora, diminuir os estratos de baixíssima renda e ampliar a classe média
Temos um milhão de negócios no país inteiro. Destes, 65% são informais ou microempreendedores individuais (MEIs). Em grande parte, eles estão na base da pirâmide, onde hoje se situam dezenas de milhões de brasileiros. Tenho certeza que formalizando a base da pirâmide que já está trabalhando, ganharemos em diversos aspectos. O país dará, a partir do nosso setor, um grande e positivo salto, criando-se um enorme contingente na classe média.
Isso fará com que a pirâmide social e econômica do Brasil comece a se estreitar na base e se alargar no meio. Impulsionará o país em todas as direções, tanto na qualidade de vida geral, quanto no ambiente geral dos negócios. Da base da pirâmide, onde hoje se situam os milhões de brasileiros pobres, emergirá uma pujante classe média. Muda tudo. É mais gente na rua com mais dinheiro. É mais consumo, emprego, renda, tributos, segurança pública, educação, saúde.
Varrer dos mapas urbanos a setorização dos bairros de usos exclusivos, promovendo-se as cidades de usos mistos
Em todas as cidades, é preciso se apagar dos mapas os usos segregados do solo urbano, em que determinadas áreas só podem ter residências ou indústrias ou centros administrativos da administração pública. Essa segregação é muito prejudicial.
No final do ano de 2018, mudamos o Plano Diretor de Campinas, que transformou a cidade em uma cidade mista. A multicentralidade é muito importante. Então, naquele bairro que antes era periférico, separado de tudo, passa- -se ter a atividade comercial e de serviços ao lado da residencial.
Aquele morador passa a não ter mais que pegar um ônibus e ficar duas horas e meia no trânsito para ir trabalhar, porque o trabalho está próximo da casa dele. Isso fará com que o dinheiro circule naquele bairro, localmente gerando-se empregos, renda e impostos. Há uma complementariedade do centrinho de convivência (com esporte e lazer), da farmácia e papelaria, do restaurante e da padaria e assim por diante.
Maior oferta de imóveis em toda geografia urbana
“Em uma cidade multicentralizada (ou polinucleada) abre-se um grande leque para se viabilizarem os novos negócios do nosso setor e, também, de toda a área de comércio de serviços. Se, por exemplo, aqui em Campinas, a gente tinha como uma opção o bairro do Cambuí (das classes A e B, mais adensado e verticalizado), agora há também a opção do Taquaral (o bairro contíguo, das classes médias, e menos adensado), em que passou a valer a mistura de usos, dentro do novo Plano Diretor.
Como isso ocorreu em várias áreas da cidade, o empreendedor passou a ter mais opções para localizar seu novo investimento, compatível com a sua capacidade financeira, pois ele pôde contar com aluguéis mais baratos. O fato é que, hoje, o bairro Taquaral igualmente se tornou em uma região viva de Campinas, com muitos bares, cafés restaurantes. A multicentralidade (ou polinucleação) viabiliza e impulsiona o empreendedorismo”.
A polinucleação cria alternativas de aluguéis mais baratos
Então, começa a se difundir o uso misto pela cidade, criando-se muito mais opções. A cidade mais propícia à necessidade de cada um e mais barata. Por exemplo, vou competir no principal bairro dos barzinhos? Não, lá pagarei um aluguel gigantesco. De repente, pode-se estar em outro bairro, em um outro centro, que tem um aluguel mais em conta.
As prefeituras, com excesso de burocracia e leis, forçam os empreendedores de menor porte à informalidade
O excesso de leis e burocracia nos municípios faz com que as prefeituras forcem os empresários à informalidade. Em Campinas, temos 72 leis específicas para o setor de bares e restaurantes. Se juntarmos as leis municipais, estaduais e federais, são 134 leis. Para a pessoa abrir um botequim em Campinas tem que se atentar para 134 leis, que somam 600 páginas, impossíveis de se ler, em razão do linguajar jurídico.
Isso tumultua e enfraquece o Poder Legislativo, divorciando- -o da sociedade. No momento em que se harmoniza com a demandas da sociedade, o Legislativo torna-se mais útil, importante e respeitável. Quando a roda da economia gira com desenvoltura, há mais empregos, renda e tributos. O orçamento municipal fica mais compatível com o bom funcionamento da própria máquina pública e com uma gestão de qualidade.
A ilusão de que a lei nascida em brasília estava acabando com alvará e licenciamento das atividades de baixo risco
Quando em setembro de 2019 foi aprovada a Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica, os empresários ficaram eufóricos, achando que tudo estava resolvido, porque ele poderia trabalhar sem os incômodos da burocracia, do excesso de leis. No final do ano passado, Campinas chegou a fazer a sua Lei da Liberdade Econômica. Mas, o que se vê é que nada mudou em relação à anunciada liberação de licenciamentos e alvarás para atividades de baixo risco, entre elas a de bares e restaurantes.
O que se vê hoje é que nada de novo aconteceu. E, mesmo se acontecesse, temos outras 74 leis específicas para o nosso setor. Só quando se der uma espanada nisso é que vamos ter um país próspero, mais inclusivo, mais cidadão. Por traz de tudo, está o seguinte: as prefeituras não abrem mão da receita dos alvarás. Os donos dos estabelecimentos têm que voltar lá, frequentemente, para reapresentar a documentação e pagar o custo do alvará.
Liberdade econômica, mais uma lei que não chegou na ponta
Quando se definiu a MP da Liberdade Econômica, as prefeituras entenderam isso como uma perda de receita. Mas, esse não deveria ser o problema, até por que o alvará poderia ser feito por autodeclaração, com o empresário recebendo sanções se não cumprir com o que ele formalmente declarou e se comprometeu.
Se alguém acha que uma decisão de Brasília seguramente passa a valer para o Brasil, está muito enganado. É preciso que essas decisões sejam referendadas e reinstitucionalizadas nos lugares em que a gente vive. Caso contrário, as leis não chegam na ponta.
"O setor de bares e restaurantes é vanguarda da livre iniciativa mais democrática e socialmente inclusiva"
Esta é a ideologia expressa no manifesto da Abrasel, intitulado ‘A partir das ruas, simplifica Brasil’. Para as eleições municipais deste ano, imprimimos 800 cópias desse documento para entregar aos candidatos a vereador e prefeito.
No manifesto, que é uma declaração pública, mostramos o nosso posicionamento como uma entidade de transformação social e econômica, com um conjunto de causas em favor da melhoria da qualidade de vida da sociedade, por meio de milhares de estabelecimentos que se tornam os espaços de alimentação, de convívio, lazer e entretenimento, melhorando a segurança pública, possibilitando que se tenha uma cidade voltada aos pedestres, o que é bom para a saúde das pessoas, para a mobilidade e o meio ambiente, com menor uso do carro e menor emissão de CO².