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A chef Mara Alcamim é a nova entrevistada pelo podcast O Café e a Conta e fala sobre os desafios de empreender "no mato"

Mara Alcamim no estúdio do podcast O Café e a Conta. Foto: Lucas Macedo

No mais novo episódio do podcast O Café e a Conta, a chef Mara Alcamim revisita seus 30 anos de carreira e conta pontos marcantes de sua trajetória. Ela comenta como o processo de reinvenção que viveu trouxe resultados tanto no empreendedorismo quanto na vida pessoal.

Mara fala sobre o que torna a Chapada dos Veadeiros - onde estão seus dois restaurantes, o Farofa e o Na Mata - tão tão especial, e os pontos altos e baixos da experiência.

Confira um trecho do episódio abaixo, ou clique para assistir na íntegra!

O Café e a Conta: Mara, você tem 30 anos de empreendedorismo e muitas histórias vencendo barreiras, sendo mulher em Brasília, também. Quer falar um pouco sobre isso?

Mara Alcamim: Eu nunca me atentei muito ao detalhe de ser mulher nessa fase toda, porque a vida era tão corrida nesses 30 anos que a gente não parava para pensar exatamente sobre isso, sabe?

Eu acho que o preconceito maior foi pelo fato de eu ser gay, muito mais do que ser mulher, porque há 30 anos as pessoas não frequentavam lugares gays em Brasília.

Em uma palestra de 2019, você falou sobre esses redutos dos Filhos dos Candangos, aonde a comunidade ia e como, na época, o Universal se tornou um espaço acolhedor, não foi?

É bonito falar assim agora, que o Universal tem 28 anos. Mas eu me lembro muito bem que no primeiro ano tinha uma boate no andar subsolo. Eu precisava de espaço para aumentar a cozinha e tirei essa boate. E quando isso aconteceu, o público gay parou de frequentar. Colocaram uma letra escarlate em mim como se eu tivesse, com aquele ato, dito que não são bem-vindos.

Na verdade, era só um espaço de cozinha que eu precisava. E no ano seguinte eu fiquei totalmente sem público. O não-gay não ia porque era gay e o gay deixou de ir porque se sentiu afrontado com a retirada da boate.

Foi quando eu resolvi sair para fazer jantares na casa de clientes e aumentei a cozinha e o cardápio. As pessoas começaram a ir, mas elas não diziam que iam lá, porque ainda tinha o estigma de que era um lugar gay. Então eu fiquei flutuando sem público por mais ou menos um, dois anos.

E como você conseguiu superar essa barreira para hoje chegar e falar “eu tenho 30 anos de chef”?

Foda-se! [risos] Foi mais ou menos assim, porque se eu tivesse parado para analisar demais, eu tinha enlouquecido naquela época. Eu simplesmente mostrei meu trabalho e abstraí qualquer outro preconceito que pudesse vir.

Quando eu falo foda-se, acho que é simplesmente uma libertação que a gente tem de algumas coisas que nos aprisionam. Eu vou fazer o que eu estou a fim de fazer.

Em 2010 eu quebrei e tive que vender todas as empresas, fiquei devendo muito de imposto, de banco e tinha quase três milhões de reais para pagar só de rescisão, porque eram 350 funcionários na época. Eu quase enlouqueci.

Então, se eu não tivesse “morrido” naquela época para renascer de novo, eu não teria dado conta. Essa é a libertação que eu te falo que é o foda-se, sabe?



Desses funcionários, vários viraram sommeliers, chefs de cozinha, donos de restaurante. Eu tentei olhar por esse prisma para não me sentir a vítima. E acho que está tudo bem, e que Brasília cresceu com gastronomia. Está mais cosmopolita.

Mas acho que tem muito do mesmo, não tem muita coisa autoral. E eu acredito muito nessa jovem guarda agora da gastronomia que venha para fazer diferença, sabe? Para criar coisas novas, criar rótulos diferentes e fazer coisas diferentes.

Eu sou da velha guarda, mas essa galera jovem de 20 anos, de 25, que está entrando no mercado agora, eles estão vindo não com a ideia de fazer dinheiro e ficar rico, mas com a ideia de ser diferente e fazer diferença.

Gravamos um episódio com o Luiz Filipe do Evvai e ele falou sobre os desafios de trabalhar com essa jovem guarda, porque o que é valor para o Luiz talvez não seja valor para eles, que já querem ter uma qualidade de vida diferente da geração anterior.

Isso envolve saúde mental também, fazendo um paralelo com a sua reinvenção. Você enxerga isso como um desafio?

Essa jovem guarda, o único problema que acaba com todos eles, é a rapidez. Eles têm acesso a tudo muito rápido. E isso causa muita frustração quando o processo é demorado. Você criar uma receita, fazer com que ela funcione, tudo isso é muito demorado. Essa frustração é que impede que ele vá mais longe.

Porque eu, por exemplo, sou da época de ir para a biblioteca pegar uma Larousse para fazer um trabalho. Hoje, em cinco segundos ele tem na mão, no celular. Isso acontece também dentro da cozinha. É uma falta de paciência para acompanhar métodos e processos.

Mas em uma turma de 50 alunos, sempre tem dois que se destacam. E por causa deles eu acredito que a coisa vai mudar.

Falando um pouco mais sobre o seu processo de reinvenção, hoje, 2024, onde está a Mara Alcamim? No meio do mato, quais são as dores e as delícias?

Não faço a mínima ideia de onde eu estou no meio desse processo. [risos] Eu estou morando na Chapada dos Veadeiros e sou chef de dois restaurantes lá. Se acabar a salsinha, é só quinta-feira que vem.

Nós fazemos um evento de fogo, focado em comida na lenha, e eu ia comprar um cordeiro inteiro para assar. Eu tenho três pequenos fornecedores de lá e os três me falaram a mesma coisa: que não tinha como me entregar porque a onça tinha comido tudo.

Então, a gente acha que os problemas no mato não são grandes, mas eles só mudam de cor. Você acorda de manhã, com tudo que você tem para fazer, abre a porta da sua casa e tem uma cobra. Você já perdeu sua manhã até chamar alguém, até capturar, soltar...

Aí você chega de tarde, sua vida já mudou. A onça come o cordeiro que iam te entregar, o rio enche. A vida vira muito mais orgânica, o que faz com que a gente viva mais intensamente, e não daquela forma mecânica que a gente vive na cidade.

E para empreender? Com esses desafios, por exemplo, o de logística.

Se o seu sonho for empreender no meio do mato, pense direito, porque o planejamento é a alma do negócio.

E a logística é surreal, é como Noronha. Também já trabalhei lá. Você tem que esperar o barco, demora dois dias. Se acabar a salsinha também é só semana que vem. A logística é enlouquecedora.

Você tem que estar muito preparado para o que acontece no seu dia a dia no meio do mato. Mas eu tomo banho de rio cinco vezes por dia se está muito quente. Você está trabalhando e as araras ficam passando na sua cabeça. Isso faz despressurizar a cabeça. Estou muito feliz onde eu estou.

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