A Bares & Restaurantes entrevistou o CEO da startup ‘Reutiliza Já", uma das principais parceiras na operação da coleta e reciclagem de mais de 250 toneladas de resíduos no festival Rock in Rio, em setembro de 2022
Em entrevista para a revista Bares & Restaurantes, o empresário Humberto Bahia, CEO da startup "Reutiliza Já" traça um desejável cenário do que considera como um despertar dos brasileiros para o fato de que o país ainda destina os resíduos sólidos que produz de forma inadequada. Segundo dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), o índice de reciclagem no Brasil ainda é muito baixo, de apenas 4%.
A iniciativa de sustentabilidade no maior festival de música e entretenimento do mundo tornou-se um case noticiado em todos os jornais nacionais. O ineditismo da ação conjunta entre Reutiliza Já e a Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT) fez com que pela primeira vez os materiais recicláveis gerados no evento tivessem a rastreabilidade desde o momento do consumo, no festival, até às cooperativas de reciclagem.
E delas até às indústrias, que transformaram os resíduos em novos produtos. Dessa ampla operação de coleta dos resíduos e reciclagem fizeram parte, no Rock in Rio, a Heineken, a Coca-Cola e a petroquímica Brasken, garantindo a economia circular.
Na rastreabilidade, a “Reutiliza Já’ usa ferramentas tecnológicas, como a do “blockchain’ (cadeia de blocos), que funciona como um livro de registro digital, em que se armazenam os dados de forma descentralizada para cada uma das indústrias destinatárias dos fardos de resíduos.
O empresário é, também, CEO da startup "Vai Fácil”, que faz a última milha de entregas do e.commerce (comércio eletrônico), levando mercadorias até mesmo aos moradores de favelas cariocas, que não são atendidas por outras empresas.
Nesses locais, a ‘Vai Fácil’ cumpre a sua missão, fazendo seus serviços alcançarem as residências que sequer dispõem de CEP (Código de Endereçamento Postal). Além da cidade do Rio, a ‘Vai Fácil’ atua também em São Paulo e Belo Horizonte.
Iniciou-se a trajetória profissional e empresarial de Humberto Bahia quando - aos 17 anos de idade, portanto em 1996 - ele foi corretor de imóveis. A partir de então, empreendeu uma infatigável jornada. Formou-se em marketing, vendeu serviços de manutenção de ar condicionado, resolveu morar no exterior para aprender Inglês e viver experiências de trabalho, inclusive a de garçom.
Por breves períodos, morou em algumas cidades americanas, entre elas Fort Lauderdale (na Flórida), em Dallas, no Texas. Depois, residiu na Nova Zelândia. Em 2005, já de volta ao Rio de Janeiro, montou uma empresa importadora de produtos digitais.
Mais tarde, fundou uma empresa de eventos. Na sequência, uma empresa de transporte corporativo, que atendeu à alta clientela das cúpulas das corporações multinacionais (como a da British American Tobacco e a UnitedHelthCare, a Omega e, por consequência, a dos relógios Swatch).
A empresa de Humberto Bahia também transportava os cronometristas (‘timekeepers’) da Omega, que medem todas as corridas em microssegundos e rastreiam os desempenhos atléticos, usando tecnologia de sensor de movimento, de última geração.
A Omega é cronometrista oficial dos Jogos Olímpicos desde a edição de 1932, em Los Angeles, na Califórnia. Portanto, tornou-se a segunda mais antiga patrocinadora da competição. A primeira é a Coca Cola, que patrocina os jogos desde as Olimpíadas realizada em Amsterdã, no ano de 1928. Eis a entrevista com o CEO da startup ‘Reutiliza Já’.
O Brasil não está bem no mapa mundial da reciclagem de resíduos sólidos. Como mudar isso?
Temos de criar um estado de consciência. Precisamos nos educar quanto à forma de comunicar. Frequentemente, falamos de um termo muito amplo e vago, que é a palavra sustentabilidade. Aí, está se falando de tudo, e não se está falando de nada. Se as pessoas não entenderem, como colocarão em prática?
A comunicação nessa área tem de ser a mais simples possível, fatiada por partes. Temos de engajar a base da sociedade. Acredito que, aí, é o caso de se engajarem os bares e restaurantes, os garçons, os funcionários de cada estabelecimento. E eles acabarão levando esse engajamento para o ambiente de suas casas, de suas famílias.
É a difícil arte da comunicação simples.
Este é um tempo de todo mundo aprender. Por enquanto, não podemos ensinar nada. É ainda uma época de aprendermos juntos. São as novas gerações que farão as mudanças que o nosso país e o planeta demandam; essas gerações têm o DNA compatível com as transformações alinhadas com esta nova era. Certo é que, neste contexto, a comunicação tem de fluir para dentro das casas, onde os novos valores contemporâneos se enraizarão.
E quais são os elementos fundamentais nessa idealizada jornada brasileira de um novo estado de consciência?
Sempre que se fala em reciclagem de resíduos sólidos, é fundamental a participação da Ancat (Associação Nacional dos Catadores e das Catadoras de Materiais Recicláveis, que é o guarda-chuva de mais de 850 mil catadoras e catadores). É preciso que se priorize a transparência, porque é a transparência que gera credibilidade.
E é igualmente imprescindível que tenhamos de fazer a tangibilização (tornando em informações concretas tudo o que é abstrato) em quaisquer projetos de comunicação que venhamos a realizar, o que significa sermos realistas no alcance das metas.
Qual seria a dimensão territorial que se esboça para um imaginado projeto de comunicação e engajamento social que tenha como âncora os bares e restaurantes?
O que inicialmente se supõe, ainda em um nível bem primário, é que temos de fazer um lançamento a nível nacional, com vistas a alcançar o máximo possível de pessoas, porque aí daria sentido ao que estamos cogitando aqui.
A partir dos bares e restaurantes, engajar os funcionários dos estabelecimentos para que adotem os procedimentos de separação seletiva dos resíduos. E que, consequentemente, levem essa prática para dentro de suas casas, repassando às famílias as informações relativas à conscientização sobre a importância da reciclagem. Então, começa-se, pelas pessoas, um trabalho social de expressivo impacto ambiental.
O fator humano passa a ser o centro da proposta de uma comunicação simples.
É um projeto que traz consigo implicações no relacionamento entre as pessoas. O catador e a catadora passam a interagir, de maneira mais próxima, com o conjunto dos personagens que trabalham ou são fregueses do bar, do restaurante. Isso melhora ainda mais a qualidade dos relacionamentos. Quando se chega em um bar e se pede algo ao garçom com um bem pronunciado “por favor’, dirigindo a ele um olhar amistoso, estabelece-se um diálogo. O mesmo trato cortês se estende no relacionamento diário com os catadores e as catadoras.
Espontaneamente, cria-se um ambiente geral de boa-vontade. Nós mesmos temos de nos educar para incorporarmos essa cultura do diálogo, da empatia, praticando no dia a dia os gestos inclusivos, sem os quais a comunicação não chega à alma das pessoas.
Há aí um condicionamento pessoal?
O que de vez em quando tenho procurado praticar, desde o início da maturidade, é uma vigilância sobre mim mesmo, tentando corrigir algum velho vício. Não é uma mudança rápida. Mas quando o esforço da mudança de atitude acaba se incorporando aos nossos mais corriqueiros hábitos, torna-se um valor de vida.
Internaliza-se um esforço pessoal de mudança dos nossos hábitos, incorporando-os ao nosso propósito, à nossa razão de ser. O resultado disso é que a gente vai vendo o mundo ficar menos difícil, um pouco mais prazeroso, um pouco menos penoso. É assim que a gente fica mais inclusivo, obtendo visíveis resultados positivos nas relações humanas, fazendo com que o se conversa amplie a visão de mundo.
E, a propósito, faço-lhe uma pergunta baseada em anotações que extraí das notícias veiculadas na imprensa. É o seguinte. O que o move a empreender com entregas de e.commerce até nos lugares de muita pobreza, que não têm sequer o CEP (Código de Endereçamento Postal) e a fazer a logística reversa de mais de 250 toneladas de materiais recicláveis, no festival Rock in Rio, usando a ferramenta tecnológica ‘blockchain’?
Sou um apaixonado pelo Brasil. Um apaixonado pelo Rio. E também um apaixonado por São Paulo, Minas e daí em diante. A base da pirâmide do Brasil tem uma gente maravilhosa, que merece muita atenção, muito mais oportunidades, inclusive a de uma educação de qualidade, com um ensino verdadeiramente de qualidade.
O que adianta o país querer ter o melhor sistema tecnológico do planeta se a base da pirâmide está abandonada, desengajada? O resultado nunca será bom. É essa base que sustenta tudo. Temos que começar a cuidar melhor dessa gente que diariamente vive em situações adversas.
O que precisa mudar nas pessoas que têm condições de influir na mudança de rumo do país?
É preciso que nos reeduquemos, diminuindo-se a incidência dos indivíduos que dizem “pra mim está bom; então está tudo bom, e eu sou feliz”. O que precisamos é de que ampliemos a percepção do outro, incluindo-o na sua cordialidade cotidiana, procurando ver o mundo também pelos olhos dele ou dela.
Na infância e adolescência, quem mais influenciou você, levando-o a ter essa visão?
Meu falecido avô Humberto Brasileiro Bahia, primo do Jobim (Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim). Foi ele quem mais me influenciou no sentido de ver o mundo também com os olhos das outras pessoas. Meu avô foi o espelho da família.
E como fica a transformação empática do Brasil, utilizando-se como trampolim a coleta seletiva dos resíduos, com os catadores, e a logística reversa, com a tecnologia do “blockchain”?
Ela começará a se dar se tivermos a ousadia de implantar as ideias que mencionamos. Será um caso de sucesso, um ‘case’, a ser exportado para o mundo.