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Organização tem metas ambiciosas alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e trabalha por mais brasileiros bem alimentados.

Geyze Diniz é cofundadora do Pacto Contra a Fome e já foi entrevistada pelo podcast O Café e a Conta, além de discursar na solenidade de abertura do 35º Congresso Abrasel

Seis em cada dez brasileiros sofrem com algum grau de insegurança alimentar. Enquanto isso, o país desperdiça oito vezes a quantidade para alimentar quem não tem o que comer. Os números chocam e, mais do que isso, revelam o abismo da desigualdade social no Brasil.

O Pacto Contra a Fome surgiu para transformar essa realidade e garantir que os brasileiros tenham o seu direito constitucional à alimentação contemplado, bem como dignidade e melhoria da qualidade de vida baseada, primeiramente, em uma nutrição adequada.

A cofundadora da instituição, Geyze Diniz, contou em entrevista como a organização foi concebida, e ainda explicou o que são os diferentes graus de insegurança alimentar, as metas do Pacto e o plano de ação estabelecido para conquistá-las.

Como surgiu o Pacto Contra a Fome?

O Pacto Contra a Fome nasce na pandemia, em meio à entrega de cestas básicas pelo movimento União São Paulo. Foram 900 mil cestas no período de um ano e meio, mas no início de 2021 as doações tinham acabado.

Quando isso aconteceu, a fome ainda seguia. Conversando com o Edu Lira da Gerando Falcões e com o Celso Athayde da CUFA, resolvemos nos unir em uma campanha nacional.

O Celso falou em trazer a Frente Nacional Antirracista e em seguida também falamos com a Agência África, que fez uma campanha incrível, chamada Panela Cheia Salva. Em quatro meses, arrecadamos o equivalente a 4 milhões de cestas básicas.

O que fizemos foi fundamental naquele momento, um assistencialismo, mas não é o que acredito como causa. Eu queria entender o que era fome no Brasil e o que é o desperdício de alimentos.

Chamei uma consultoria, a Integration, que fez um estudo de cinco meses, quantitativo e qualitativo, com três pessoas dedicadas o tempo todo. Quando o estudo ficou pronto, testamos com dois professores especializados em miséria e pobreza, que validaram a pesquisa.

Sobre fome, nós encontramos muitas informações, mas sobre desperdício, quase nada. Através de fontes muito seguras, fizemos algumas estimativas e chegamos a números confiáveis, mas chocantes.

A última pesquisa da Rede Penssan, de 2022, mostra que são 33 milhões de brasileiros em insegurança alimentar grave. Ao mesmo tempo, nós desperdiçamos oito vezes o que seria suficiente para alimentar essa população. É uma dicotomia do excesso com a escassez. Com o estudo na mão, ouvimos cerca de 300 pessoas para entender se aquilo fazia sentido no terceiro setor, no setor privado, na academia e no setor público.

Ao longo desse processo, entendi que esse deveria ser um movimento da sociedade civil para atuar junto ao governo nas duas frentes, de combate à fome e redução do desperdício de alimentos.

Tendo muito claro que o desperdício não é diretamente correlacionado ao combate à fome. Podemos acabar com ele, o que também é uma utopia, mas se conseguíssemos, isso não acabaria necessariamente com a fome.

E é neste lugar que eu me mobilizo para trazer um grupo de pessoas que constroem juntas o que hoje é o Pacto Contra a Fome. Somos um grupo de 40 cofundadores, juridicamente somos um instituto, mas que tem uma governança estabelecida, um conselho, tem uma assembleia instituída, código de ética, estatuto, tudo formalizado porque precisamos atuar com transparência.

Os principais pontos de atuação do Pacto são articulação, trabalho com dados e evidências, principalmente para apoiar políticas públicas, e trazer o governo para a temática. Neste governo, o tema da fome é realmente trabalhado, mas lembrando que nós somos suprapartidários, supra religião, supra concorrência, somos supra tudo porque a fome tem que estar acima de tudo.

O que caracteriza fome e o que caracteriza a situação de insegurança alimentar?

A ONU define três tipos de insegurança alimentar, a grave, a moderada e a leve. A grave, que são 33 milhões no Brasil, são aquelas pessoas que não têm o que comer hoje, nem sabem se vão comer amanhã. Lembrando que temos como direito constitucional alimentação para todos.

Quando olhamos para a insegurança alimentar moderada, se trata daquela pessoa que faz pelo menos uma refeição no dia e não tem o risco de morrer de fome. Ela se alimenta, mas de uma forma insuficiente.

E a insegurança alimentar leve é aquela em que falta qualidade nutricional. Ela tem o que comer, mas se alimenta muito mal ou de um jeito muito pobre em termos nutricionais. Na mesma pesquisa da Rede Penssan, na soma das três, nós somos 125 milhões de brasileiros.

As metas do Pacto Contra a Fome incluem chegar em 2030 sem nenhuma pessoa com fome no país e em 2040 com toda a população bem alimentada. Quais as ações planejadas pela organização para que esses objetivos sejam alcançados?

A meta é bastante ousada. Nós não a inventamos, apenas reforçamos os princípios dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Parece pouco tempo para questões estruturantes, mas é uma eternidade para as pessoas que estão passando fome.

E quando falamos sobre todos bem alimentados em 2040, é porque é fundamental não só acabar com a fome, mas instituir alimentos saudáveis e nutritivos para a população.

A questão da fome só existe, na minha opinião, porque os 85% da população brasileira que não passam fome, a severa, não trouxeram o problema para si. Esse problema é nosso e é possível mudar a realidade do país, vamos mudar os patamares drasticamente.

Quanto mais estudamos no Pacto Contra a Fome, mais enxergamos caminhos possíveis, mas tem que ir todo mundo para a mesma direção. Então, nossa articulação é baseada em evidências para que a gente também ajude o governo a pautar políticas públicas que sejam mais efetivas, e nisso a velocidade conta.

O país saiu do mapa da fome da ONU em 2014, mas voltou a fazer parte em 2018. Como foi esse processo de superação e o que levou à reinclusão do Brasil nessa lista em apenas quatro anos? O que podemos aprender com esses altos e baixos para qualificar as ações de combate à fome?

A ONU define como fome quando 5% ou mais da população de um país está em situação de insegurança alimentar grave. Em 2014, o Brasil chega a 3,6 % da sua população, mas ainda éramos 7 milhões de brasileiros passando fome todos os dias. Isso é muita coisa.

Nós estávamos num excelente caminho, por causa dos programas feitos desde 1990. Infelizmente, eles foram sendo desconstruídos e os orçamentos foram minguando.

O programa de aquisição de alimentos, que voltou esse ano, é fundamental, porque trabalha principalmente com agricultura familiar. Ele gera a economia local e tem ganhos também de logística.

O Conselho de Segurança Alimentar (Consea) foi outro modelo que existiu todos esses anos, e nos deu força para que sair do mapa da fome. Ele também foi destituído em 2019 e voltou nesse ano. Mas só governo não dá certo. Tem que ser um programa de Estado, mas também da sociedade civil.

Então é neste lugar nos colocamos para ajudar o Brasil. Estamos fazendo um piloto no Ceará e temos o Hub de Iniciativas. Também lançamos o Prêmio Pacto Contra a Fome em colaboração com a Unesco e com a FAO.

Esse prêmio é destinado a seis iniciativas que atuam com a fome, desperdício ou segurança alimentar. Assim, fomentamos a rede das pessoas que fazem, que já é grande.

Nosso objetivo é trazer todos os setores, atuar no ESG, fortalecer o S do ESG, que é muito fraco. Temos mecanismos e dados para isso. São metas arrojadas, mas nem por isso nós não devemos segui-las. É preciso se indignar, mas também é preciso ter esperança, ser otimista.

Ouça a entrevista com Geyze Diniz no podcast O Café e a Conta.

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