No ‘soft power’ reside a capacidade de influenciar, em vez de impor, para que as aspirações da sociedade sejam levadas em consideração por parte dos que têm a “caneta” das áreas executivas e os votos nas sessões das câmaras municipais, assembleias legislativas e do Congresso Nacional
A Abrasel nasceu, em 1986, sob o signo do poder brando, suave. Ou seja: jamais teve como objetivo a ocupação de assentos nas esferas dos poderes municipais, estaduais e federais. Já é amplamente sabido que a razão de ser da entidade é a de que tenhamos, em todas as áreas da agricultura, da indústria, do comércio e dos serviços um país mais simples de se empreender. E que assim, simultaneamente, tenhamos um país melhor de se viver.
Na nossa organização faz-se todo o possível - dentro dos mais elevados preceitos éticos e legais - para que a caminhada rumo a este duplo objetivo tenha seguidos avanços. Como? Nunca foi e nunca será, como dissemos, pela via da ocupação dos espaços de poder do mundo oficial. A Abrasel nasceu com o espírito do ‘soft power’ (conceito criado pelo cientista político, no final da década de 1980, pelo cientista político Joseph Nye, da Harvard University).
No ‘soft power’ reside a capacidade de influenciar, em vez de impor, para que as aspirações da sociedade sejam levadas em consideração por parte dos que têm a “caneta” das áreas executivas e os votos nas sessões das câmaras municipais, assembleias legislativas e do Congresso Nacional. Quando se olha o conjunto das nações, vê-se no Japão o melhor exemplo de como se exerce o ‘soft power’.
O Japão é a terceira economia do mundo. Mantém, indistintamente, intensas relações comerciais e diplomáticas com as duas maiores potências, os Estados Unidos e a China. O Artigo 9 da Constituição do Japão proíbe a guerra, como meio de resolver disputas internacionais, e a manutenção de um exército. E, desde 1945 (portanto nos últimos 78 anos), o Japão carrega em si muito daquilo que chamamos de “o jeito Abrasel de ser”.
Até assinei um artigo na Folha de S. Paulo (edição de 9 de fevereiro de 2021) relatando o ‘soft power’ das autoridades japonesas, em contraste com o então ‘terrible power’ das autoridades brasileiras. No auge da pandemia, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike (que continua brilhantemente no cargo), solicitou aos donos e fregueses de bares e restaurantes que encerrassem o atendimento às 21h. Isso ocorreu em dezembro de 2020.
Ela publicamente lamentou ter que pedir “mais encargos” aos já muito sobrecarregados empreendedores. Constrangida, a governadora procurou emitir um sinal de solidariedade. Disse que os empreendedores receberiam, em função do corte de horário, a compensação mensal de US$ 5.760. Durante os feriados de fim de ano, a reparação financeira foi duplicada. E assim é o Japão, porque assim são os japoneses.
E tem mais: lá, a Constituição Nacional impede que autoridades fechem o comércio ou as fábricas. Não há, no Japão, qualquer sanção prevista aos que desobedecerem aos apelos governamentais, como o do fechamento dos negócios. Todos atendem. O ‘soft power’ solidamente vigora em um país no qual há uma relação de confiança recíproca entre os governantes e a sociedade.
Alguém perguntaria: - mas, o setor de bares e restaurantes tem expressão lá? Tóquio é a cidade mais destacada nas premiações globais do Guia Michelin, já tendo recebido 203 estrelas. Em segundo lugar está Paris, com 108 estrelas. E depois, na sequência imediata, ainda vêm mais duas cidades japonesas: Kyoto (terceiro lugar mundial, com 108 estrelas Michelin) e Osaka (quarto lugar, com 96 estrelas).
No segmento dos bares, o Japão foi o mais premiado, entre 26 países da Ásia, na competição promovida em abril de 2022 pela água Perrier (pertencente à Nestlé). O Japão está no coração do setor da alimentação fora do lar e no coração do Brasil.
A maior comunidade japonesa fora do Japão vive aqui. É uma gente que, com os valores herdados de seus ancestrais, passou a fazer parte da diversificada geografia humana brasileira, abrindo cooperativas, disseminando os cinturões verdes, expandindo a fronteira agrícola à região do Cerrado. O Brasil e o Japão, aliás, são os campeões globais na coleta e reciclagem das latas de alumínio.
E vamos, agora, a partir dos bares e restaurantes, nos juntar em uma campanha de reconhecimento ao heroico trabalho diário dos 800 mil catadores nas ruas do nosso país continental.
*Paulo Solmucci é presidente-executivo da Abrasel