Ajustamos a lente para as 13.151 favelas existentes no país e seus respectivos habitantes (17,3 milhões), de acordo com levantamentos do instituto Data Favela. No nosso setor, cerca de 20% dos empresários e mais de 60% dos funcionários vivem nelas.
Foram dois anos de reflexão sobre os rumos do Brasil. Já era muito evidente, mas se tornou ainda mais óbvio ao longo da pandemia. O nosso país não se resolverá enquanto não incluir toda sua população na cidadania nacional.
Hoje, segundo dados do IBGE, são 67,7 milhões de brasileiros mergulhados na pobreza e 27,3 milhões na miséria. As evidências saltaram aos olhos. Na pandemia, transbordaram para as ruas a pobreza e a miséria de uma nação predominantemente urbana.
Somos, entre os 193 países-membros das Nações Unidas, o 26º mais urbanizado, em uma proporção de 87,1% nas cidades. Com as reflexões entre conselheiros, diretores e associados
da Abrasel, acabamos colocando em prática um informal laboratório de ideias, um “think tank”.
A série de itinerantes reflexões intelectuais (realizada pela Abrasel em várias cidades), levou-nos a dirigir o foco a uma questão central: as favelas.
Escolhemos para fazer parte do organograma da Abrasel alguém que liderasse o relacionamento com as favelas. É ele Michael Gomes, coordenador do coletivo da favela Dendê, de Fortaleza.
Michael já estabeleceu contato com Thiago Vinicius, líder do projeto Agência Popular Solano Trindade, no distrito de Campo Limpo, na região metropolitana de São Paulo. Definiu- se que o empreendedorismo em larga escala será, a partir das favelas, a principal alavanca de erradicação da pobreza e da miséria no país.
Como é impossível abraçar, de uma só vez, todos os territórios vulneráveis do Brasil, fomos ao mais visível e prático miolo do espectro geográfico da pobreza e da miséria. Ajustamos a lente para as 13.151 favelas existentes no país e seus respectivos habitantes (17,3 milhões), de acordo com levantamentos do instituto Data Favela. No nosso setor, cerca de 20% dos empresários e mais de 60% dos funcionários vivem nelas.
Ao ‘think tank” da Abrasel demos o nome de Brasil Novo. Esse laboratório de ideias é coordenado pelo presidente do nosso Conselho Nacional de Administração, Paulo Nonaka. Da série dos debates, em torno de diagnósticos e proposições, conduzidos por Nonaka, esta é uma grande verdade que acabou se sobressaindo durante mais de dois anos de pandemia: os moradores das favelas mantiveram-se na linha de frente de tudo o que move uma cidade.
Ou seja, nos hospitais (portaria, vigilância, lavanderia, limpeza, cozinha etc), supermercados e hortifrutis (caixas/empacotadoras, reposição de mercadorias etc), prédios residenciais
(vigilância e faxina), postos de gasolina (frentistas).
Nas ruas estava esse povo dirigindo caminhões, ônibus, ambulâncias, e, ainda, trabalhando na carga e descarga das mercadorias. A turma estava trabalhando, também, nos bares e restaurantes, ainda que com restrições. Conclusão: as favelas nunca falham.
É uma brava gente brasileira que rapidamente tirou enorme proveito da flexibilização do trabalho por conta própria. Partiu para a pejotização e a jornada intermitente. Passou a intensivamente usar o celular, o WhatsApp, os bancos digitais Inter ou Nubank, o PIX.
Tal conjunto de dispositivos do século 21 viabilizou, a baixos custos, o atendimento aos clientes da última milha, nas vizinhanças dos bairros, inclusive aos novos clientes que haviam feito a massiva troca do escritório pelo ‘home office’.
As lições que emergiram da pandemia colocam em pauta as eleições municipais de 2024, que poderão ser as mais transformadoras eleições municipais da nossa história republicana.
Temos de acabar, de uma vez por todas, com o divórcio dos governos locais em relação à sociedade. As favelas querem, de uma vez por todas, um Brasil mais fácil de se empreender e melhor de se viver.
Isso pressupõe, como ponto de partida, que nelas haja a mais completa infraestrutura urbana, de limpeza, iluminação, transportes públicos, escolas, creches e postos de saúde, conexão à internet. As favelas definitivamente precisam ser integradas à paisagem urbanística da cidade cidadã, dotada de plena infraestrutura. Este é o nosso dever e a nossa salvação.
*Paulo Solmucci é presidente-executivo da Abrasel